sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Reflexões daqui e d'ali - Vill'Alcina, de Sérgio Fernandez



                  
 
     
Dezoito anos se passaram e com eles persistia um vazio que mais tarde viria a ser preenchido sem qualquer aviso prévio.
Eis que surge: Vill’Alcina, a casa de férias de Sérgio Fernandez em Caminha (sim Caminha, a mesma Caminha que me deslumbra desde criança e à qual eu pertenço).
“Era uma intenção do projecto fazer desaparecer a arquitectura, torna-la invisível, não só pela discrição física e diluição no terreno em que se insere, mas também pelo modo como o projecto parece ser indiferente perante a possibilidade de afirmar alguma representatividade ou autoria (…) ”.1
A intenção do arquitecto ao fazer o projecto era mais do que evidente: para além de uma casa acolhedora, que lhe providenciasse todo o conforto que uma casa de férias deve ter, Sérgio Fernandez queria que a mesma passasse despercebida e que se fundisse com a própria natureza do local, de maneira que fosse imperceptível a olho nu por quem passeia por entre a mata do Camarido e pela marginal de Caminha.
Pois bem, objectivo cumprido com sucesso, diria eu como testemunho vivo de alguém que vive numa cota mais baixa à da casa e que, apesar de ter contemplado vezes sem conta o monte nunca deu pela sua existência. O facto é que a casa passa despercebida aos olhos desatentos, talvez de quem nunca imaginou encontrar tal obra a poucos metros de casa.
“Acordai corações da minha terra / Evitai destruir tanta beleza, / Preservemos com carinho / As águas do rio Minho, / A nossa mãe natureza.”2
Perante paisagem tão imponente e arrebatadora, houve por parte do arquitecto a incapacidade, ou, mais provavelmente o dom, de não “ferir” paisagem tão imaculada com a implantação de um edifício.
Não devemos deixar que a mão do homem seja mais forte do que a Natureza, permitindo, no entanto, a sua intervenção. O desejo do arquitecto em não intervir demasiado no local e manter a beleza do que encontrou e pelo qual ficou apaixonado, ao ponto de querer fazer dele o seu retiro, viria a mostrar-se mais tarde, aquando a escolha dos materiais da casa.  “O material e a forma reproduzem o terreno como um eco que se reveste da mesma rudeza”.3 O arquitecto foi “submisso” à paisagem e escolheu materiais da zona para que o seu projecto ganhasse forma, sem que por isso pusesse em causa o seu conforto.
A casa é um prolongamento do terreno existente e está, de facto, em harmonia com o ambiente que a envolve. Deste modo, o arquitecto faz a junção do vidro aos restantes materiais, de maneira contida e com uma direcção estudada que nos direcciona o olhar, porque na verdade a casa foi pensada para ver e não para ser vista.
            Hoje, o meu olhar está a ser treinado a ver para além do que olho, e que fantástico é o que dele advém…

Notas bibl.: 1. TAVARES, André e Bandeira, Pedro, “ Só Nós e Santa Tecla”, em André Tavares & Pedro Bandeira (ed.), Só Nós e Santa Tecla, Porto: Dafne Editora, 2008, (p.7).
    2.PINTO, José Maria Gavinho, En(cantos) do Minho, Portugal, Caminha, Edição de autor, 1997,  pág. 23
                    3. FERNANDEZ, Sérgio, Percurso, Porto: FAUP Publicações, 1988, (p. 190)
Imagens:http://www.inesdorey.com/index.php?/projectos/ditados-velhos-sao-evangelhos/